Foi com profunda consternação que recebemos a notícia do falecimento da escritora Nélida Piñon (17 de dezembro de 2022), uma das mais reconhecidas vozes da literatura brasileira contemporânea, e uma personalidade inolvidável, de imensurável amabilidade, delicadeza e perseverança, realça Hermínia Vasconcelos Vilar, reitora da Universidade de Évora.
Na Universidade de Évora, tivemos o enorme privilégio de partilhar momentos únicos com Nélida Piñon a quando da entrega do Prémio Vergílio Ferreira, com o qual a escritora foi distinguida, em 2019, “pela latitude e profundidade da sua obra, que revela uma linguagem capaz de estabelecer e harmonizar um diálogo fértil entre a memória feminina e a História” acrescenta a reitora.
Nessa ocasião, tanto a lealdade da escritora para com a literatura “olho para trás e vejo que foi muito bom ter sofrido as dificuldades e preconceitos. Nunca reclamei do meu destino literário”, como a sua paixão pela língua de Camões “agradeço aos Deuses o dom da escrita assoberbada por falhas e temores. (…) Aprendi desde cedo que a arte literária é exigente. Há que trilhar sendas inovadoras e saber que ao dar início à jornada da escrita duvida-se onde ancorar”, ficaram bem patentes nas suas palavras.
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Jornalista, romancista, contista e professora, Nélida Piñon nasceu no Rio de Janeiro, Brasil, no dia 3 de maio de 1937, numa família originária da Galiza. Estudou Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em 1961 estreou-se na literatura com o romance, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo.
Na sua carreira literária publicou mais de 25 livros e suas obras foram traduzidas em mais de 30 países, destacando-se, entre outros títulos da sua vasta obra, os livros de contos Tempo das frutas, O Calor das coisas, A camisa do marido, os romances A Casa da Paixão, A República dos Sonhos, A doce canção de Caetana, Vozes do deserto, as crónicas de Até amanhã, outra vez, ensaios Aprendiz de Homero, Filhos da América, memórias Coração Andarilho e Livro das Horas.
Entre 1966 e 1967, trabalhou como editora-assistente da revista Cadernos Brasileiros, em 1970 inaugurou e foi a primeira professora da cadeira de Criação Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro e entre 1976 e 1993 foi membro do Conselho Consultivo da revista Tempo Brasileiro.
Entre 1990 e 1996, foi catedrática da Universidade de Miami, onde realizou inúmeros cursos, debates, encontros e conferências e em 1996 foi eleita a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras por ocasião do seu Primeiro Centenário. Nélida foi, ainda, escritora-visitante da Universidade de Harvard, da Columbia, de Georgetown e de Johns Hopkins e é, desde 2004, membro da Academia das Ciências de Lisboa, e desde 2012, Embaixadora Ibero-Americana da Cultura.
Recebeu inúmeros prémios literários, entre eles: Prémio Walmap com o romance “Fundador” (1970), o Prémio Mário de Andrade com o romance “A Casa da Paixão” (1973), o Prémio da Associação Paulista dos Críticos de Arte e o Prémio Ficção Pen Clube com o romance “A República dos Sonhos” (1985), o Prémio Golfinho de Ouro pelo conjunto da Obra (1990), e o Prémio Jabuti – Melhor Romance e Livro de Ficção de 2005, por “Vozes do Deserto”.
Recebeu diversos prémios internacionais como: Juan Rulfo, do México, Jorge Isaacs, da Colômbia, Rosalía de Castro e Prémio Menéndez Pelayo, de Espanha, Gabriela Mistral, do Chile, Prémio Puterbaugh, dos Estados Unidos.
Em 2005 recebeu o importante Príncipe de Astúrias pelo Conjunto da Obra e, em 2019, o Prémio Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora. Publicou, em 2020, “Um Dia Chegarei a Sagres”, livro que ganhou o Pen Clube de Literatura.
Fonte: Universidade de Évora / Nota de imprensa
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Na ocasião em que Nélida Piñon recebeu o Prémio Vergílio Ferreira, o Grupo Diário do Sul esteve presente na cerimónia. Recordamos a reportagem feita na altura pela jornalista Marina Pardal.
Escritora brasileira galardoada com o Prémio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora
Nélida Piñon considera que “um prémio consola-nos em relação às adversidades literárias”

Pela primeira vez, o Prémio Literário Vergílio Ferreira, promovido pela Universidade de Évora (UÉ), foi entregue a um autor brasileiro. Em 2019, a galardoada com esta distinção foi a escritora Nélida Piñon, nascida no Rio de Janeiro, a 3 de maio de 1937.
Nélida Piñon tem ascendência galega e é formada em jornalismo. Em 1961, publicou “a sua primeira obra, ‘Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo’, à qual segue numerosa bibliografia composta por romances, contos, crónicas, memórias, ensaios e discursos”, segundo informação divulgada pela UÉ. “A República dos Sonhos”, “Livro das horas” e “Aprendiz de Homero” são alguns títulos que compõem a sua obra literária.
É ainda realçado que “integra a Academia Brasileira de Letras desde 1989, da qual foi presidente em 1996”, tendo sido já distinguida com vários prémios, quer no Brasil, quer a nível internacional.
A UÉ anunciou que “o Prémio Vergílio Ferreira foi este ano atribuído à escritora Nélida Piñon pela latitude e profundidade da sua obra, que revela uma linguagem capaz de estabelecer e harmonizar um diálogo fértil entre a memória feminina e a História”.
Acrescentou que, este ano, o júri do prémio foi constituído “por Fernando Cabral Martins (professor da Universidade Nova de Lisboa), Ângela Fernandes (professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), Anabela Mota Ribeiro (jornalista), Cláudia Afonso Teixeira (professora da UÉ), e Antonio Sáez Delgado (professor da UÉ)”.
Na passada sexta-feira, a galardoada participou na cerimónia pública realizada pela UÉ, onde o prémio lhe foi entregue pela reitora da academia, Ana Costa Freitas.
À margem do evento, Nélida Piñon referiu aos jornalistas que “este é um prémio lindo e generoso que Portugal me oferece”, recordando que “estou encerrando aqui em Portugal uma temporada de um ano”.
Admitiu ainda que “este é um prémio para a língua portuguesa e para os escritores brasileiros”.
Na sua opinião, “os prémios têm um caráter de consolo em relação às adversidades literárias, mas eu sou dada aos prazeres, às aventuras e venturas humanas”, adiantando que “eu adiciono este belíssimo prémio à minha história pessoal e fico muito agradecida”.
Admiradora de Vergílio Ferreira, a autora confessa que “eu escrevi para ele e ele respondeu-me”, contando que “essas cartas estão no meu arquivo literário no Brasil, mas como eu estava aqui, não pude ter acesso a essas cartas”.
Nélida Piñon destacou ainda que “achei fascinante o facto de ter ganho o prémio que tem o nome de um grande escritor que eu admirei em adolescente”.
Em relação à escolha de Nélida Piñon, o presidente do júri, Antonio Sáez Delgado, realçou que “é uma autora com uma obra fundamental no último meio século num contexto global”, afirmando que “é uma autora que consegue misturar vários elementos que fazem dela uma voz própria”.
Especificou que “mistura, por um lado, uma literatura muito vinculada à memória individual, da infância, das histórias ouvidas e das raízes galegas, e há também a história do Brasil, pois ela escreve como testemunha da memória coletiva do Brasil”.
Antonio Sáez Delgado disse ainda que “ao mesmo tempo apresenta uma terceira componente que é uma visão muito feminina de tudo aquilo que conta”.
Por outro lado, o professor lembrou que “o Prémio Vergílio Ferreira nunca tinha sido atribuído a um autor do Brasil”, constatando que “apareceu assim a oportunidade única e extraordinária de entregar o prémio a Nélida Piñon, que é uma voz fundamental da literatura lusófona dos nossos dias”.
Por sua vez, a reitora da UÉ sublinhou que, “pela 23.ª vez, a nossa universidade atribuiu este prémio que celebra a literatura e a língua portuguesa, sendo de facto um dos momentos mais relevantes do ano para a academia”.
Ana Costa Freitas evidenciou que “anunciado no final do ano passado e atribuído como sempre a 1 de março, dia em que se assinala o desaparecimento de um dos maiores escritores portugueses, o Prémio Vergílio Ferreira é hoje parte da identidade da UÉ, retratando o panorama literário lusófono”.
Frisou também que “este ano o Prémio Vergílio Ferreira cruzou pela primeira vez o Atlântico”, admitindo que “é uma decisão que nos orgulha e que prova que embora estejamos separados por um oceano é indiscutível a grande proximidade que existe entre Portugal e o Brasil, que ultrapassa largamente a nossa história comum e comprova o grande, rico e diverso património que é a língua portuguesa”.