Pesca lúdica tem ‘massa’ adepta e consequente consumo das espécies capturadas.
Já lá vão os tempos, em que antes visto aos olhos dos chefes de cozinha e cozinheiros(as) profissionais, como produto com pouca saída e de rara confeção, todo o peixe de rio ou represa surge agora como ‘novo’ elemento nas ementas a apresentar aos clientes, dando-lhe esta introdução na lista de pratos a consumir, um outro interesse por este elemento gastronómico. Há exemplos disso, no recente Festival de Peixe do Rio, promovido e alavancado pelo Município de Alandroal, enquanto Mostra Gastronómica de renome, já com ‘provas’ dadas, edição após edição e, cujo meritório trabalho em prol da promoção e difusão do mesmo, lhe dá frutos bastante promissores. Conheça-se melhor este género de peixe.
Estas espécies de peixes de rio e até de águas paradas, ganhou notoriedade na cozinha tradicional portuguesa e, com especial destaque, na que diz respeito à confecionada na região do Alentejo, muito devido às suas gentes rebuscarem as receitas de tempos ‘idos’, deixadas por familiares e que agora, orgulhosamente apresentadas numa qualquer mesa posta, não passam desprimor para o trabalho elaborado pelos seus ancestrais familiares. Está lá tudo e, ainda há inovação!
Com cada vez mais praticantes destas modalidades de se agarrar pescado em águas doces; os ensinamentos e o ‘vício’ começa de tenra idade, de avós para filhos e destes para netos, na esperança de se conseguir os melhores e maiores exemplares piscícolas, para consumo próprio e pessoal ou para venda ao público e a retalhe, sendo o destino dos mesmos, para confeção em pontos de degustação do petisco, tais como antigas tabernas, cafés e restaurantes do Alentejo.
E, ainda há tantos por aí, nesta região!
Alqueva e as suas águas de Lago, que serão sempre do grande rio do Sul – Guadiana -, possui um manancial de cardumes de espécies de peixes de água doce e, por isso, atraem para ela na prática de pesca profissional de rede, embarcada e de competição, indo até ao pescador lúdico de margem.
Dali recolhem-se (com sorte e saber), cerca de 15 espécies de peixes, bem como as suas sub-espécies, todas elas comestíveis. Sendo os barbos, o bordalo, a boga, o lúcio, o lúcioperca, o caboz, o sável, a perca-sol (apelidada no Alentejo por xixito), a carpa comum, a enguia, a gambúsia, o pimpão, o peixe-gato e o achigã, as mais vulgares encontradas pelos pescadores.
Muito procurada e sendo uma das espécies mais conhecidas e apreciadas, o achigã, vulgarmente denominado pelos pescadores estrangeiros por Black Bass, tem as suas origens no sul Canadá e no norte dos Estados Unidos, tendo chegado à Europa no fim do Século XIX. Apresenta uma configuração corporal comprida e tem na boca, de largo diâmetro, um sem número de dentes. Pode pesar até um máximo de 10 quilos e medir até 80 cm de comprimento. É um peixe essencialmente de superfície, muito solitário, carnívoro e é usual encontrar-se junto de zonas de vegetação.
A época de pesca, para a generalidade das espécies de peixe locais tem períodos de defeso (altura em que as atividades venatórias ficam vetadas e controladas – 15 de Março a 15 de Maio, inclusive) e, neste intervalo de tempo, há a possibilidade de pescar, mas desde que se liberte para as águas o peixe vivo acabado de capturar.
Os truques da pesca
Como em todas as outras ‘artes’ do campo, da caça e da pesca, sempre houve e sempre haverá, algo de mais peculiar, que este ou aquele amante destes atos, considera ser o seu talismã para conseguir da melhor forma, capturar os tão almejados ‘troféus’. Não são transmissíveis estes pormenores aos curiosos pela modalidade e, alguns até se enquadram na categoria de vil métodos, para adquirir exemplares piscícolas; mas acredite-se que funcionam, pelo que a experiência e anos de prática, fazem com que a ‘coisa’ tenha o sucesso desejado.
Quim Carnaças tem 58 anos, alentejano de gema, amplo conhecedor das águas do rio Guadiana é pescador lúdico de margem, a cem por cento, com algumas incursões de pesca embarcada. A residir ‘paredes meias’ numa das aldeias ribeirinhas do Grande Lago de Alqueva, desde os seus tempos de ‘gaiato’ ali se desloca, com regularidade, tentando a sorte no que chama ser a (pesca) a sua “terapia diária”, diz.
“Trago o som destas águas, que vi correr praticamente desde que nasci, incrustadas na alma e no corpo”, avança com a segurança, de quem já percorreu quilómetros em busca de peixe, no rio e agora no Grande Lago de Alqueva.
Experiente na matéria em questão, quase todo o ano retira várias espécies de peixes das ‘goelas’ desta enorme massa de água, “mas é mesmo o achigã, aquele que me enche as medidas; atrás deles, não me canso de fazê-los sair!”, vai retorquindo com firmeza.
“Não perco tempo a aprimorar equipamento de pesca, até porque a fazê-lo, isso requer bastante investimento neste tipo de utensílios”, adianta Quim, que “apenas tenho o básico para as minhas necessidades – e já não é pouco – manuseando com mestria e executando manutenção periódica”, pois a “persistência e o conhecimento, adquirem-se com a prática constante”, completa Joaquim e, é aí que se especializa frequentemente.
“Olhar para o movimento ou a plenitude da água; a sua tonalidade – turbidez ou transparência – associado ao conhecimento do terreno envolvente”, também são algumas das ‘mãnhas’ que ajudam o pescador, na hora de decidir se fica por esse pesqueiro, minutos ou horas, diz-nos este expert na questão.
“Nos anos de seca, o peixe ‘funda’ mais à procura de alimento e do fresco da água e aí é mais difícil de saber onde ele se encontra; por outro lado, sempre que vêm Invernos que fazem com que a albufeira (outrora rio) suba o nível das águas, o peixe procura mais margem, pois renovam-se zonas de desova e surge mais área onde se poder alimentar”, continua a argumentar o pescador.
Do rio para a mesa
Mas, no que ‘toca’ à parte gastronómica:
— Afinal, porque razão o peixe do rio começa a reunir consensos, enquanto produto a usar nas cozinhas?
Porque há sempre erva de cheiro no Alentejo, que permita condimentar caldeiradas de todo o tipo e ordem, através de novas técnicas de confeção e tempero, ele é em ensopados, é no acompanhamento para a carpa frita, é no barbo assado no forno, é o lúcio-perca com esparregado, entre demais formas de se degustar estas espécies e outras tantas e, é também no usual achigã, grelhado na brasa.
Aperfeiçoada no tempo, por forma a conferir a este último, um prato de sabor característico inovador, a reserva usada pelo habituais praticantes e consumidores deste pescado de águas de rio e paradas, varia de mão para mão.
Chegados aqui, Quim Carnaças, o pescador do Outeiro, tem um toque de mestre a dar-lhe – “não é só a ‘sacar’ os melhores que me divirto; é também a cozinhá-los”, pois parece que há diferenças na maneira como se trata o peixe, após capturado.
“Vai desde a forma como se acondiciona e prepara: escama, abre, estripa, golpeia e salga e tempera, numa marinada, se for o caso”, continua a revelar o pescador e, depois… – “depois, vem a altura de lhe chegar fogo; mas a temperatura, essa tem de ser a certa (quer seja em brasa viva ou em bico do fogão e forno)”, já para não mencionar “alguns ingredientes mistério, usados para molhos e caldos, que conferem o tal novo sabor de que dizem ter”, muito apreciado pelos degustantes.
“Nós aqui não temos cá magia, o que se usa é tudo produtos da terra – a quantidade dispensada é que faz a diferença, mais a mão que a carrega – aí é que está!”, conta Joaquim, entre uma ida e outra à sua cozinha.
Uma coisa é certa, “não há molho para ‘regar’ o achigã grelhado como o do Carnaças”, dizem as gentes que o provam, dali (Outeiro – concelho de Reguengos de Monsaraz) e, de outros lados desta região Alentejo.
“Para a mesa trago sempre os melhores – é só darem o(um) toque!”, acaba por retorquir Joaquim, enquanto convive e, projeta já a próxima ida à água; recônditos que são esses locais de captura de peixe, no imenso Lago e, que só ele conhece.
— “Vamos a isso!…”
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