O verão vai ‘alto’ e há palitos em riste
Há quem não goste e, por isso, não ‘morra de amores’ por eles; mas também há quem não veja a hora de os apanhar, salvo seja – como se fosse muito difícil… – no prato – de Maio a Agosto.
«Para uma boa refeição é preciso comer pão» – diz-se na gíria popular, quando o que vem à mesa agrada ou são horas de dar aconchego à barriga. Acontece que, não raras vezes, aqui pelo Alentejo, o que se adiciona ao pão (a sobejar ou em falta) é sempre o produto principal do prato. Cá na ‘terra’ há sopas de tudo; mas para este prato não é o caso, embora se use o pão torrado ou a fatia simples, para o acomodar, quando ingerido.
O elemento lhe trazemos hoje em notícia, surge por aí a ‘pular’ para dentro de travessas, pratos fundos e pires, mal termina a primavera e emerge o tempo quente. A temperatura sobe e o verão aproxima-se, logo sai ‘à baila’ mais um dos petiscos populares, apreciado pela maioria dos alentejanos; em especial, sendo cozinhado no dia e que não lhe falte o acompanhamento indispensável de um famoso líquido, produzido de base cerealífera ou qualquer outro, desde que não seja água.
Estamos a falar de caracóis (tenham eles as suas mais variadas formas e seja a sua confeção e apresentação simples ou elaborada) pois a panela enche-se cedo, ao raiar do sol por norma, para que a iguaria seja consumida ao longo do(s) dia(s) que se avizinha(m) de calma, nestas infinitas planícies. Serão poucas as portas abertas ao público – do simples café ao restaurante de renome – que não apresente este molusco, chegado o sol alto e pelo pino do verão.
Grandes, médios e pequenos, após a limpeza, em várias águas com as devidas técnicas que existem para acelerar o processo de libertação do muco (‘ranho’) solto pelo animal; haja sal com orégão em rama, em abundância, para de seguida vir a fervura, que os deixa com o gostinho pitoresco, capaz de ‘sair’ e dar deleite a apreciadores – na sua apresentação singela.
Ele há para todos os gostos: com presunto, chouriço, piri-piri (malaguetas), dentes de alho, caldos em cubo, azeite, pimentão-doce, cebola, folhas de loureiro, calda de tomate e ervas de cheiro várias; junta-se-lhe de tudo com a ‘pitada’ de sal a gosto — há quem diga mesmo, que a melhor parte nem é o caracol, mas sim o suco que este liberta ao ser cozinhado, em consonância com os ingredientes que se lhe adicionam – aqui entra então o pão, para se ‘depenicar’ no fundo do recipiente, onde estes vêm servidos.
Gostos à parte, porque estes não se discutem!
Outra espécie da família destes hermafroditas de ‘casca rija’, a vulgar caracoleta (que só reúne consenso gastronómico, mesmo entre apreciadores), por norma, de maior dimensão – essa agarra o calor da chapa ou da brasa, polvilhada de flor de sal, em maiores doses – por ser mais carnuda e, está capaz de prova.
Dizem os entendidos na ‘feitura’ do petisco, que os caracóis cozinhados por eles são sempre os melhores dos melhores, provem-se ou não os vindos de outras paragens; mas a arte para tal feito, o engenho, a ciência ou o segredo na confecção dos próprios, esse nunca é revelado, para daí se tirar a conclusão de que efectivamente têm algo que os outros não possuem. Artes do ofício… “o segredo é a alma do negócio”.
Entramos na altura alta do consumo do gastrópode e até através de take away é possível agarrar generosas doses desta iguaria, mesmo na sua receita mais convencional.
Se são produto diurético, afrodisíaco ou têm propriedades medicinais, isso ninguém sabe esclarecer ao certo, mas que há ‘gente’ que não resiste à sua prova, logo após o mês de abril, isso é o que se encontra com a maior das vulgaridades. É ver-se ao fim de tarde e noite dentro, as esplanadas cheias, mesas de café, balcão e sala(s) – “quanto mais se come, parece que mais apetece” – sustentam os presentes, na generalidade dos casos. Aqui, o lanche e o jantar juntam-se numa única refeição, à volta da mesa: o repasto esse é de prato único e, dele consta o ‘belo’ do caracol!
— “Venha outra dose, se faz favor… e um cesto de pão!“