Um direito de cidadania cada vez mais esquecido
Uma das razões para um certo caos informacional do Estado é a exigência de dados pessoais redundantes e muitas vezes desnecessários, para a resolução de eventos de vida dos cidadãos, em sistemas de informação que persistem em não falarem uns com os outros e continuam fechados aos direitos de cidadania.
A aplicação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) aos sistemas de informação do Estado representa um avanço significativo na proteção dos direitos dos cidadãos em relação aos seus dados pessoais. Mas não se trata apenas da salvaguarda da privacidade em relação a terceiros, mas também de assegurar a transparência e a abertura no acesso aos dados pessoais por parte de cada cidadão, com garantia de autodeterminação e controle sobre as informações pessoais, que o Estado dispõe a seu respeito.
Uma das principais disposições do RGPD é a obrigação de transparência por parte das entidades que processam dados pessoais, mas poucos são os sistemas da administração pública portuguesa que garantem este direito de acesso.
Os organismos estatais deveriam fornecer aos cidadãos informações claras e acessíveis sobre a forma e os motivos porque os seus dados são recolhidos, processados e armazenados, assim como são obrigados a informar sobre a base legal para o processamento, as finalidades específicas, os destinatários dos dados e o período de retenção dos mesmos. Esta transparência é essencial para permitir que os cidadãos compreendam e, quando necessário, questionem o uso das suas informações pessoais pelo Estado.
O RGPD reforça o direito de obtenção de uma cópia desses dados, o que permitiria a todos os cidadãos verificarem a sua exatidão e solicitarem as devidas correções, contribuindo para a qualidade e confiança no uso responsável e auditável dos nossos dados pessoais pelo Estado (crowd auditing).

Os cidadãos têm o direito de corrigir dados imprecisos, solicitar a exclusão de dados irrelevantes ou desnecessários e restringir o processamento em determinadas circunstâncias, o que deveria colocar os indivíduos no controle, garantindo que os seus dados fossem usados de maneira justa e dentro dos limites estabelecidos.
Além do direito de acesso, o RGPD introduz o direito de portabilidade de dados, em formatos abertos, que permitiria aos cidadãos obterem e reutilizaram os seus dados pessoais, para os seus próprios fins em diferentes serviços e promoveria a inovação, ao permitir que todos nós pudéssemos facilmente mover, copiar ou transmitir dados de um ambiente digital para outro de forma segura e protegida.
Para cumprir essas disposições, os sistemas de informação do Estado deveriam ser projetados à partida (by design), não apenas para garantirem a segurança e a privacidade, mas também para permitirem o acesso e a transparência ao verdadeiro titular dos dados que é o cidadão.
Deveria haver mais colaboração entre a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), para garantir o equilíbrio entre os direitos à privacidade e à transparência, em relação aos dados pessoais de cada cidadão.
O RGPD, mais do que uma formalidade legal, deveria dar mais poder a cada cidadão, ao lhe permitir participar ativamente na gestão e proteção dos seus próprios dados e informações, ao mesmo tempo que reforçaria a confiança nas instituições públicas e estabeleceria um equilíbrio saudável entre a soberania do Estado e os direitos individuais de cidadania.
Opinião de Luís Vidigal – Representante da sociedade civil na Rede Nacional de Administração Aberta, consultor internacional de e-Government, ativista cívico e ex-dirigente de topo em áreas tecnológicas e de modernização administrativa