Mais uma vez se assistiu este ano ao tormento por que passam muitos encarregados da educação, para matricular os seus filhos nas escolas.
Uma amiga minha relatou-me que, ao fazer a matrícula do seu filho no 5º ano e apesar de nos anos anteriores ter preenchido todos os dados pessoais do aluno e do encarregado de educação, foi obrigada a inserir tudo outra vez, pois não há qualquer reutilização dos dados registados desde o 1º ano, associados ao filho e à mãe enquanto encarregada de educação.
Neste percurso kafkiano, pasme-se, foi a minha amiga que declarou no formulário que o filho tinha “passado de ano” e simplesmente foi ela que atestou que ele iria transitar para o ano seguinte! Se alguma ilegalidade existe nesta declaração, ela não é mais que a resposta a um pedido ilegal.
A minha amiga parecia que tinha chegado de Marte, pois teve que declarar outra vez tudo sobre si, nomeadamente a profissão, as habilitações, etc, não bastando fornecer a sua identificação civil.
No caso dos alunos do ensino básico, em setembro deverá chegar de novo pelo correio postal uma folhinha de papel, enviada pelo agrupamento escolar, para escrever tudo outra vez. E o Município também poderá enviar um novo papelinho, por causa das refeições, dos prolongamentos dos horários e dos transportes.
Depois ainda virá o papelinho do kit informático e outro papelinho para identificar as alergias e obter as autorizações para a administração de analgésicos ou outro ainda para o regime alimentar e saber se pode beber leite.
Os formulários eletrónicos, aparentemente mais modernos, também se comportam como se fossem papelinhos estáticos, sem campos pré-preenchidos, quase sempre sem a função de gravar, ou seja, se a sessão cair ou se alguém sai da página, é preciso inserir todos os dados mais uma vez. Mas também há problemas com o carregamento de documentos, como o certificado de residência, sendo alguns ficheiros recusados sem explicação, levando mesmo ao reinício da sessão, com o necessário carregamento de todos os dados de novo.

A urgência em dar uma solução todos os anos e a ausência de uma visão estratégica e arquitetónica do sistema escolar dá origem a múltiplas aplicações voluntaristas e portais avulsos, locais ou nacionais, com o melhor e o pior, sempre à espera de um ponto único de acesso centrado no aluno.
Para quando acabar com as situações em que alunos e encarregados de educação, ao longo de todo o percurso educativo, desde o pré escolar até ao ensino superior, parecem ter que renascer de novo todos os anos, sem possibilidade de qualquer acesso ao seu histórico e a outras informações relevantes para o seu percurso escolar?
Apesar do aluno ser um só ao longo da vida, parece que está “cortado às fatias” no seu processo educativo, sem continuidade, sem memória, nem qualquer interoperabilidade de dados entre as entidades relevantes para o seu percurso.
Sabemos que existem muitas autonomias e são necessárias muitas decisões de proximidade, mas é urgente centralizar e partilhar dados e informações capazes de dar suporte e continuidade a este evento de vida que é “ir à escola”.
Uma abordagem centrada no aluno, não só simplificaria a vida dos encarregados de educação, dos estudantes e dos professores, mas também aumentaria a transparência e reduziria a possibilidade de fraudes.
Com sistemas interligados e ativos, seria possível garantir que as informações estivessem sempre atualizadas e disponíveis quando necessário, sem a necessidade de sucessivas recolhas de dados e comprovantes redundantes e inúteis.
Opinião de Luís Vidigal – Representante da sociedade civil na Rede Nacional de Administração Aberta, consultor internacional de e-Government, ativista cívico e ex-dirigente de topo em áreas tecnológicas e de modernização administrativa