Quando vamos a um centro de saúde presenciamos muitas vezes uma realidade preocupante, em que os profissionais de saúde passam metade do tempo das consultas a transcrever análises e relatórios para o seu computador. Essa prática não só limita o tempo dedicado ao utente como também expõe a necessidade urgente de uma melhor interoperabilidade dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) entre os setores público e privado.

A transcrição manual de resultados de exames e relatórios médicos é um processo moroso e sujeito a erros humanos. Os médicos frequentemente precisam navegar por diferentes sistemas de informação, plataformas de software e até mesmo documentos em papel, para obter os dados necessários sobre os seus pacientes. Esse tempo gasto na transcrição poderia ser direcionado para a interação direta com os utentes, melhorando a qualidade do atendimento e a sua satisfação.

A interoperabilidade dos MCDT refere-se à capacidade de diferentes sistemas e tecnologias de informação de trocar, interpretar e utilizar dados de maneira eficiente e segura, para reduzir a carga administrativa sobre os profissionais de saúde e melhorar a continuidade dos cuidados clínicos, ao permitir que os profissionais de saúde acedam, em tempo real, a todas as informações relevantes do paciente, independentemente da origem do exame ou do tratamento.

A falta de interoperabilidade pode levar a redundâncias desnecessárias, onde exames são repetidos simplesmente porque os resultados anteriores não estão facilmente disponíveis. Isso não só aumenta os custos para o sistema de saúde como também pode causar desconforto e ansiedade desnecessária para os utentes.

A ausência de uma visão completa do histórico do utente, que deveria estar integrada no seu dossier clínico, alimenta muitos centros de diagnóstico privados, que fidelizam e capturam os seus “clientes” à custa da falta de interoperabilidade dos MCDT entre os setores público e privado, ao mesmo tempo que estão na base dos maiores custos e desperdícios do sistema de saúde em Portugal.

Luís Vidigal

A adoção plena de normas de interoperabilidade, como o Health Level 7 (HL7) permitiria a troca, a integração, a partilha e a recuperação de informações eletrónicas de saúde, para facilitar a comunicação entre diferentes sistemas e melhorar a acessibilidade aos dados do utente.

A implementação dessas normas exige um esforço conjunto e multidisciplinar, entre instituições de saúde, fornecedores de tecnologia e profissionais de saúde, por isso o governo e os reguladores têm que exigir a máxima conformidade com essas normas e dar prioridade ao investimento em sistemas de informação compatíveis com esses padrões, garantindo que os dados clínicos estejam permanentemente disponíveis em qualquer unidade de saúde.

Os fornecedores de software de saúde devem garantir que os seus produtos sejam compatíveis com as normas internacionais e que se possam integrar facilmente com outros sistemas. A colaboração entre o setor público e privado é essencial para criar um ecossistema de saúde mais coeso e eficiente.

Os responsáveis políticos e os profissionais de saúde devem estar cientes da importância da interoperabilidade e apoiar a sua implementação. Um sistema de saúde onde as informações fluem, de forma segura e em tempo real, entre as diferentes entidades, proporciona um cuidado mais coordenado e eficiente, reduzindo os erros médicos e os custos globais do sistema de saúde.

Opinião de Luís Vidigal – Representante da sociedade civil na Rede Nacional de Administração Aberta, consultor internacional de e-Government, ativista cívico e ex-dirigente de topo em áreas tecnológicas e de modernização administrativa

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