Acabámos de votar “em mobilidade”, isto é, de forma presencial deslocalizada em todo o território português, incluindo nos postos consulares, que só pode ser adotado quando não é necessária a distribuição de votos por circunscrições eleitorais e os votos são todos depositados numa única urna eletrónica. É por essa razão que este método apenas pode ser adotado nas eleições presidenciais e europeias.
Mas esta recente experiência, apesar dos seus méritos e comodidade, não se pode confundir com o “voto eletrónico”.
Existem dois tipos de voto eletrónico, por um lado o voto presencial com recurso a urnas electrónicas, como é o caso do Brasil e que já foi experimentado em 2019 nas eleições europeias num projeto-piloto em Èvora e, por outro lado, o que nós consideramos o verdadeiro voto eletrónico em mobilidade, acessível em qualquer lugar através de computador, tablet ou telemóvel, como é o caso da Estónia.
Os cadernos desmaterializados, disponíveis desde o governo anterior, são um passo importante para o verdadeiro voto eletrónico em mobilidade, com a comodidade de votar em qualquer lugar e com qualquer equipamento com acesso à internet.
Desde 2016 que nos temos dedicado à conceção e desenvolvimento de um sistema de voto eletrónico, com características de anonimato real, com garantia de segurança, auditabildade e repartição automática dos votos por cada circunscrição.
Reconheço que, até encontrar uma solução com a ajuda de alguns amigos, e por ser um informático consciente dos riscos de segurança, eu era uma das pessoas mais céticas sobre a adoção do voto eletrónico.
Ao analisarmos os sistemas de voto eletrónico em mobilidade existentes no mundo e em particular o mais popular que é utilizado na Estónia desde 2005, constatámos que existem muitas fragilidades decorrentes das opções de segurança que passam pela pseudo-anonimização, através da encriptação do voto juntamente com o eleitor, como se juntássemos no mesmo “envelope” o boletim de voto e o cartão do eleitor, o que permite a desencriptação por parte de quem domina a chave da encriptação do sistema, que quase sempre são empresas privadas, constituídas por monopólios especializados de fora do país.
Para evitar a coação de outras pessoas sobre o eleitor e usando esta tecnologia da encriptação do voto com o eleitor, é possível nalguns casos, como acontece na Estónia, a anulação do voto e voltar a votar várias vezes, como se nos fosse permitido meter a mão dentro da urna e ir buscar eletronicamente o nosso “envelope” para alterarmos o nosso sentido de voto até ao fecho das urnas.

Foi por isso que concebemos um sistema de voto electrónico nacional, simples, barato e totalmente inovador, chamado dVote, que já está perfeitamente funcional e testado em algumas eleições no âmbito da sociedade civil, com características de anonimato real do voto, pois não é tecnicamente possível re-associar o voto a um eleitor identificado, ninguém tem acesso de topo ao controle da segurança (encriptação) e não há ninguém com poder para abrir ou impossibilitar a divulgação dos resultados (“no man in the middle”).
Ao contrário da generalidade dos sistemas de voto eletrónico, a nossa opção de segurança não passou pela centralização dos votos numa caixa forte, mas preferiu-se distribuir todos os votos, de forma descentralizada, aberta e sincronizada, por um elevado número de servidores que se disponibilizarem para o efeito, nomeadamente partidos, órgãos de comunicação social, universidades, associações e muitos outros locais, que após o fecho das urnas, acabam por aceder em primeira mão e em tempo real a todos os resultados tratados.
Conseguimos também encontrar uma solução em que o cidadão tem total controle do seu voto, podendo alterá-lo e auditá-lo ao longo de todo o processo, introduzindo ao mesmo tempo um novo mecanismo de segurança a que chamamos “crowd auditing”, pois permite auditorias coletivas a todos os eleitores, incluindo a mobilização de militantes partidários, estudantes e jornalistas, sem necessidade de se recorrer a juizes ou auditores tecnológicos especializados.
Reunimos já com as entidades responsáveis pelo processo eleitoral em Portugal, com vários grupos parlamentares e com os representantes das comunidades portuguesas no estrangeiro, tentando-se sempre corresponder aos desafios e encontrar soluções tecnológicas para cumprir todos os requisitos de segurança, privacidade e auditabilidade que nos foram requeridos. Por isso, só falta abrir o debate com a sociedade civil, para suscitar uma efetiva decisão política que conduza à adoção do voto electrónico no nosso país.
Votar tem que ser simples, pois em democracia não pode haver cidadãos discriminados ou excluídos do processo, por isso não defendemos o voto eletrónico, universal e obrigatório, mas entendemos que deve ser mais um canal opcional, que se pode adicionar com custos reduzidos à tradicional liturgia do voto presencial.
Com os cadernos eleitorais digitais, o voto electrónico pode coexistir com o voto presencial em papel, visto que o eleitor, quando vota, será abatido imediatamente ao caderno eleitoral.
Espera-se reduzir a abstenção, através da adoção do voto eletrónico, atraindo sobretudo eleitores jovens que optam pela comodidade deste novo canal e sobretudo emigrantes distantes da sua mesa de voto.
Seria também uma boa altura de acabar de vez com o voto por correspondência e com as dúvidas que este processo arcaico suscita a todos nós.
O voto, para ser livre, tem que ser secreto, anónimo e inviolável, com total garantia da integridade do processo de votação do princípio até ao fim, pois a decisão colectiva é o fruto da consciência individual, protegida de coacção ou represália, assegurando-se o mais possível a veracidade do resultado da vontade popular.
Opinião de Luís Vidigal – Representante da sociedade civil na Rede Nacional de Administração Aberta, consultor internacional de e-Government, ativista cívico e ex-dirigente de topo em áreas tecnológicas e de modernização administrativa