O Museu de Évora, Frei Manuel do Cenáculo, organiza no próximo sábado dia 11 uma conferência sobre a sua obra fotográfica relacionada com o património (ver programa em destaque). Qual é a importância deste segmento na sua obra fotográfica?

É para mim uma grande honra que um Museu com a projeção deste e numa cidade como Évora, que se prepara para ser Capital Europeia da Cultura dedique espaço e tempo à minha obra (e no dia dos meus 80 anos, estou muito reconhecido).

Estou quase a atingir a publicação de 120 livros com a temática do património, material e imaterial. Relacionar a fotografia com a cultura foi um dos meus objetivos profissionais e também como cidadão, pois permite, em relação aos detalhes (que colaboram na grandeza do património português), explorar o potencial simbólico e estético da imagem, como José Manuel Rodrigues tem referido. Aliás foi com duas edições sobre o património (O Ocidente e Oriente nos Interiores em Portugal e o Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal) que lancei, em coautoria com o arquiteto Hélder Carita – conferencista no Museu de Évora no próximo sábado, conjuntamente com José Manuel Rodrigues – uma primeira edição de autor, que se tornou um êxito de vendas em Portugal e na Europa, depois de uma editora europeia ter editado e distribuído fora de Portugal.

A Luz da Cal, obra icónica sobre o Alentejo, em coautoria com o saudoso Urbano Tavares Rodrigues (1923/20213) influenciou a sua decisão de instalar em Alcáçovas o centro da sua atividade de memoria expositiva?

Influenciou bastante, pois não só trouxe para Alcáçovas parte do meu espólio fotográfico como é lá que procuro o descanso e a serenidade que só o Alentejo permite.

Fale-me um pouco da sua vida e, como se interessou pela fotografia? 

Pode parecer um pouco absurdo mas ao fim destes anos todos acho mesmo que foi a fotografia que se interessou por mim… Desde que tive uma máquina fotográfica nunca pensei fazer outra coisa que não fosse espreitar o mundo, as pessoas, as coisas e os objetos através das lentes, do olho fotográfico que se me colou como uma pele.

Depois foi ouvir e estar atento aos outros, aos atores da vida, e também ter tido a sorte de ter conseguido encontrar na fotografia o sustento de uma vida.

Como é que se define atualmente? Quem é o António Homem Cardoso, depois de ter experimentado tanta coisa na vida?

Um viajante na vida, um embaixador da boa vontade, um amante do belo e do bem feito.

De entre os temas que fotografou qual, ou quais, lhe deram mais gosto realizar?

De um modo geral, tudo o que se refere ao património, material ou imaterial, o retrato fotográfico e também a gastronomia e a enologia, que são naturezas mortas na pintura mas que ganham uma vida fortíssima na fotografia.

Especificamente o Alentejo nas suas diferentes versões foi sem dúvida o trabalho que me deu mais gosto a realizar. Seja esse património construído, ou semeado ou sorrido.

Sente que, de algum modo, os retratos que tem feito influíram na sua maneira de ver a vida?

Claro que sim, vejo a vida através dos olhos de muitos dos meus fotografados, embora eles nunca tenham tido qualquer responsabilidade no que me transmitem e no apego que tenho à vida.

Que retrato gostaria de voltar a fazer?

Fotografar de novo o Presidente Eanes seria sempre um desafio pela maneira como ele foi interpretando o seu papel na sociedade e no País.

Gostaria de poder repetir a emoção da primeira imagem de D. Afonso, herdeiro da Casa Real.

Amaria repetir o retrato de Amália embora saiba que ela é uma paixão que nunca se esgotaria numa só fotografia, num só click…

E tem algum novo tema que tenha vontade de fotografar?

As novas tecnologias digitais tem alguma influência na sua maneira de trabalhar e por isso na escolha de temas que nunca tratou até hoje?

O espaço. Tenho um fascínio por fotografar estrelas enquanto parte do universo e do clima. As novas tecnologias digitais fazem-me sonhar com uma consola de comando em que a lente da câmara pudesse estar a milhões de quilómetros de distância de nós, levando a mensagem que o universo também é nosso, para além do que vemos e agarramos.

O que é que a fotografia representa para si?

A minha vida e a da minha querida Joaninha, o futuro dos meus filhos, a esperança dos meus netos.

Que características pessoais adquiriu enquanto fotógrafo?

A fotografia ensina-nos a escondermo-nos atrás dos outros e das coisas. Um exercício absoluto de humildade.

Há quanto tempo trabalha com a fotografia?

Há uma eternidade se contar os segundos pelos grãos de areia de uma ampulheta, mas é um ápice se pensar nos disparos que deixei de fazer ao longo da vida. Sempre são mais de sessenta anos a espreitar lentes, diafragmas e obturadores, e uma infinidade de modelos e marcas de aparelhos de fotografia.

Que conselhos daria a alguém que quer fazer da fotografia profissional o seu ganha pão?

Há muitos anos que digo que ser fotógrafo é mais algo que se é do que algo que se queira ser.

Quem o for terá o futuro sonhado a sua espera.

Sempre sonhou ser fotógrafo? Como é que ela surgiu na sua vida?

Um dia, aos catorze anos, trabalhava eu em Algés, na loja de um tio em casa de quem vivia, de um momento para o outro vi-me com uma boa máquina fotográfica nas mãos. O responsável desse passe de mágica foi um ator americano, o Eddie Constantine, que me a ofereceu quando por um feliz acaso fui figurante ocasional no filme – Eddie em Lisboa – que ele interpretava. Nesse dia, senti a primeira fotografia que fiz como a realização de um sonho. O início de um lindo filme que continua a rodar.

Qual foi o género de fotografia que praticou que mais o desafiou?

A publicidade, sem dúvida nenhuma. Uma atividade que faz o próprio diabo inventar ideias.

Que dificuldades teve que ultrapassar para se impor como fotógrafo, numa época em que a fotografia não era valorizada como uma forma de arte?

No final dos anos 50 do século passado, quando comecei, a fotografia não fazia parte do panorama cultural português.

Sendo ou não arte, a fotografia é sempre um trabalho singular, que depende de uma ideia prévia e muitas vezes de uma equipa, e também do momento e do tema fotografado. Estas circunstâncias fazem com que por vezes sejamos avaliados não pelo que somos como captadores de memórias ou de emoções, mas como banais reprodutores do que todos veem!

Considera-se um artista?

Se sou ou não artista foi coisa que nunca me preocupou por aí além. O que sei é que por vezes me sinto uma espécie de engenheiro que domina uma câmara, um mago que domina a luz, um decorador que embeleza o mundo.

4 de janeiro 2024.

Secção de comentários fechada.

Veja também

Para o cérebro não apodrecer de vez

Os efeitos nocivos do uso excessivo e prolongado da tecnologia digital estão há muito na o…