OPINIÃO por João Palmeiro • Promotor e Divulgador Cultural

A África, berço de algumas das mais ricas variedades de café do mundo, enfrenta um paradoxo económico significativo: apesar de contribuir com quase 12% da produção global, o continente captura apenas uma pequena fração do valor real da sua colheita. Grande parte do seu café é exportado como grão cru e não processado, o que faz com que a África perca os lucros substanciais da torrefação, do branding e do varejo, estágios dominados por empresas na Europa, nos EUA e na Ásia.

O Paradoxo da Cadeia de Valor

A disparidade é gritante. Um quilo de grão verde é vendido por US$ 3-4, mas, torrado e embalado, pode alcançar US$ 20-30 nos mercados consumidores. Quando esse mesmo café é servido em cafés, o valor de um quilo pode superar US$ 200. A diferença não está no grão em si, mas no valor agregado por meio do processamento, da marca e da narrativa. O café é mais do que agricultura: é um negócio de industrialização, branding e posicionamento global.


Os maiores produtores de café em África

Para a África, a solução reside em uma mudança de paradigma. Em vez de atuar como mera fornecedora de commodities, o continente precisa se tornar um criador de experiências globais de café. Isso pode ser alcançado investindo em centros de torrefação e embalagem locais, desenvolvendo marcas que valorizem a origem e a rastreabilidade, e usando plataformas de e-commerce para vender diretamente aos consumidores. Além disso, o crescimento do consumo interno nas cidades africanas pode criar mercados resilientes, reduzindo a dependência da exportação. O próximo Starbucks, Nespresso ou Blue Bottle Coffee pode muito bem emergir de Nairobi ou Adis Abeba.

Oportunidades Financeiras e a Ligação com o Café

A capacidade de a África reter mais valor do café está intrinsecamente ligada à sua capacidade de mobilizar capital e desenvolver infraestrutura financeira. O mapa bancário africano revela onde se concentram os principais centros de poder financeiro. Países como África do Sul, Nigéria, Egito e Marrocos dominam a paisagem bancária, abrigando bancos que atuam como âncoras para o continente.

No entanto, há campeões regionais como o Ecobank (Togo) e o KCB (Quénia), que provam que a liderança financeira não se restringe às maiores economias. Essa diversidade é crucial para o futuro, já que a próxima década do setor bancário africano será definida não apenas pelo crescimento dos maiores bancos, mas também por sua capacidade de capturar mercados inexplorados e se integrar ao mercado único da Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA).


Localização geográfica dos maiores bancos africanos, por rendimento

A conexão entre finanças e café é clara: a expansão de centros de torrefação, o desenvolvimento de marcas e o crescimento do e-commerce exigem investimentos e soluções financeiras robustas. Um ecossistema bancário diversificado e acessível pode financiar pequenos e médios produtores, apoiar startups de branding e facilitar transações digitais, impulsionando a cadeia de valor do café de dentro para fora.

O Papel de Portugal

Nesse cenário, Portugal pode atuar como um ator central. Com uma longa história de comércio e uma posição geográfica estratégica, o país pode se tornar uma ponte crucial entre a produção africana e o mercado europeu.

  1. Parceria Estratégica: Portugal pode estabelecer parcerias com países africanos para investir em tecnologia de torrefação e embalagem, transferindo know-how e capital para criar valor na origem. Isso não apenas beneficia as economias africanas, mas também cria um fornecimento de café de maior valor para o mercado português e europeu.
  2. Branding e Distribuição: A experiência de Portugal em branding e sua rede de distribuição podem ser usadas para ajudar as marcas de café africanas a entrar no mercado europeu. Em vez de importar grãos brutos, as empresas portuguesas podem se associar a marcas africanas, promovendo cafés que contam uma história de sustentabilidade, herança e qualidade.
  3. Inovação Financeira: Como um polo de inovação financeira e tecnológica, Portugal pode colaborar com bancos e fintechs africanas para desenvolver soluções que facilitem o comércio digital, as microfinanças para pequenos agricultores e a integração dos produtores na economia global.

Ao alinhar seus interesses com o potencial de valor agregado do café africano, Portugal pode ir além de ser apenas um importador, tornando-se um parceiro estratégico no desenvolvimento econômico. A questão não é se a África pode produzir café de classe mundial – ela já o faz. A verdadeira oportunidade, tanto para a África quanto para Portugal, é capturar e partilhar o valor total desses grãos.

Edição e adaptação com IA de João Palmeiro com Dishant Shah

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