O Comité de Cogestão para a Apanha de Percebe (Pollicipes pollicipes) na Reserva Natural das Berlengas e o Comité de Cogestão para a pesca do polvo (Octopus vulgaris) no Algarve entregaram, esta semana, em reunião, uma carta à Secretaria de Estado das Pescas e do Mar a solicitar apoio do Governo para resolver o problema do insuficiente financiamento da cogestão das pescas em Portugal.
A cogestão das pescas é um modelo de gestão partilhada que visa a sustentabilidade das pescarias e dos recursos marinhos, com base em conhecimento científico e empírico. Este modelo envolve a colaboração entre os setores da pesca, administração pública, ciência, sociedade civil e outras partes interessadas, permitindo a tomada de decisões conjuntas e adaptadas à realidade de cada pescaria. Em Portugal, a cogestão foi legalmente reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 73/2020, de 23 de setembro, e concretiza-se através da constituição de comités e instrumentos de gestão. Os dois comités atualmente em funcionamento – para a apanha de percebe nas Berlengas e para a pesca do polvo no Algarve – foram criados por portarias publicadas em 2021 e 2024, respetivamente.
Apesar do seu valor reconhecido, os comités atualmente em funcionamento não dispõem de qualquer apoio financeiro direto do Estado. Esta falta de financiamento estrutural compromete a continuidade e eficácia do modelo, dificultando a implementação dos planos de gestão e o acompanhamento técnico das decisões. O risco é elevado de quebra da confiança depositada no Estado por parte de 40 mariscadores nas Berlengas, mais de 700 pescadores com licença para a pesca do polvo no Algarve, 18 associações de pescadores e mariscadores, uma organização de produtores, 14 municípios, três organizações não governamentais de ambiente e quatro centros de investigação, entre outras entidades envolvidas.
“Ao longo dos últimos anos, temos feito um esforço contínuo para manter os comités a funcionar, recorrendo a recursos próprios e a candidaturas externas que não garantem estabilidade. Já demonstrámos que este modelo funciona e traz resultados. Cogestão é também co-responsabilização. E o que falta é o compromisso do Estado. É frustrante ver sucessivos governos reconhecerem a importância da cogestão, mas negligenciarem o seu financiamento, mesmo sendo um modelo de gestão oficialmente estabelecido por Decreto e Portarias. Sem um apoio claro e estruturado, o modelo não consegue continuar”, afirma Rita Sá, coordenadora de Oceanos e Pescas da WWF Portugal, entidade facilitadora designada dos dois comités.
Embora o Governo anterior tenha referido o programa Mar2030 como possível fonte de financiamento, este instrumento não cobre os custos de funcionamento institucional dos comités e não assegura continuidade. A situação contraria as recomendações do Parlamento Europeu, que apelam ao apoio financeiro adequado e estável para a cogestão das pescas, nomeadamente através do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura.
Na reunião realizada dia 3 de setembro, o Secretário de Estado das Pescas e do Mar, Eng. Salvador Malheiro, reconheceu a importância e mérito da cogestão de pescarias para o país e mostrou abertura para avaliar as propostas apresentadas e garantir a sustentabilidade do modelo. Ainda assim, os comités alertam mais uma vez que a viabilidade da cogestão depende de um compromisso firme do Estado com o financiamento público, sem o qual não será possível assegurar a continuidade de um modelo considerado essencial para a pequena pesca em Portugal, e aguardam que esse compromisso seja assumido brevemente.
Fonte: Nota de Imprensa / WWF Portugal