OPINIÃO por João Palmeiro • Promotor e Divulgador Cultural
Nós, atores culturais e de media que beneficiam de fundos da UE, solicitamos à Comissão Europeia e ao seu programa de financiamento Europa Criativa que tomem em consideração as ameaças causadas pelo crescente poder das grandes operadoras digitais representado pelos gigantes da tecnologia e assumam um papel de liderança no seu combate. A EcocNews, como um veículo internacional de notícias principalmente sobre as Cidades Capitais Europeias da Cultura, que lida com cultura e Europa, apoia e endossa a carta aberta “Repensando Práticas e Espaços Digitais”.
Eis o texto completo da carta aberta.
Caros representantes da Comissão Europeia e do Europa Criativa,
A ética das plataformas sociais e das ferramentas digitais de propriedade corporativa tornou-se numa séria questão de preocupação, pois os proprietários dessas tecnologias negligenciam o interesse público ao reduzir a moderação e a verificação de factos, ao encerrar programas DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) e, de modo mais geral, ao administrar essas tecnologias como se fossem sua propriedade individual.
Além disso, a sua posição quase monopolista no mercado global representa um problema constante, especialmente no contexto da independência e do pluralismo saudável. Nós, atores culturais que beneficiam de fundos da UE, solicitamos à Comissão Europeia e ao seu programa de financiamento Europa Criativa que levem essas ameaças em consideração e assumam um papel de liderança na sua neutralização.
Acreditamos que incentivar os projetos culturais financiados pela Europa Criativa a priorizar ferramentas digitais europeias, independentes e de código aberto, e a diversificar seu portfólio digital (para comunicação, automação de fluxo de trabalho, etc.), diminuindo assim a influência de gigantes da tecnologia, é uma necessidade absoluta.
Para tanto, e como primeiro passo, sugerimos a implementação de novos critérios éticos para alternativas digitais no próximo chamada de oferta de financiamentos da Europa Criativa. Os gigantes da tecnologia, tem progressivamente mostrado o caminho escolhido: o do autoritarismo e da chamada liberdade de expressão, baseada em discursos racistas e discriminatórios.
A deterioração progressiva do X sob a governança de Elon Musk, os anúncios recentes sobre as políticas de moderação do Meta de Mark Zuckerberg e a tomada editorial de Jeff Bezos, dono do Washington Post e da Amazon, são os exemplos recentes mais marcantes. A defesa dos direitos humanos e culturais exige uma evolução na nossa presença digital comum e, com orientação consciente e um novo plano de ação da Comissão Europeia, podemos trabalhar em direção a uma mudança que pode ser salutar para as ações quotidianas do setor e da cultura.
Como atores culturais, quão independentes poderemos ser quando somos altamente dependentes dessas plataformas e dos seus algoritmos, bem como de ferramentas digitais cuja abordagem à privacidade e proteção de dados é no mínimo questionável?

Além disso, acreditamos ser uma responsabilidade importante da Comissão Europeia monitorizar continuamente os desenvolvimentos nas tecnologias digitais e dialogar sobre suas implicações éticas. Adotar as transformações digitais como uma bússola e como uma questão contemporânea que exige consideração e respostas políticas é, mais do que nunca, inevitável para as instituições europeias.
Por esse motivo, pedimos que os programas que financiam projetos culturais, como a Europa Criativa, incentivem e reconheçam os esforços em propostas de projetos que buscam ativamente ajustar suas práticas digitais para a adoção de plataformas digitais mais justas, independentes e baseadas e lideradas pela Europa. Semelhante ao modelo dos critérios verdes em diversas fontes de financiamento europeias – que concedem pontos extras a projetos com uma abordagem ambiental virtuosa –, projetos que priorizam ferramentas digitais independentes e que se afastam da influência de gigantes da tecnologia deverão ser premiados (por exemplo, por meio de pontos extras) ao longo do processo de avaliação.
Ao reconhecer seus esforços e compromisso com a criação de espaços digitais mais éticos, as instituições europeias poderiam liderar uma mudança na esfera cultural e midiática, incentivando seus atores a agirem em relação a essa questão contemporânea crucial. Repensar as práticas digitais dos atores e espaços culturais e midiáticos europeus precisa ocorrer por meio do envolvimento das ferramentas e esforços existentes no cenário europeu. Redes, plataformas, projetos de cooperação e muitos outros projetos e movimentos financiados pela UE já estão trabalhando em prol de soluções digitais que respeitem o pluralismo, a liberdade de expressão controlada e a proteção de dados.
Alguns exemplos são a NL Net Foundation, a plataforma European Alternatives ou a Fediverse, de plataformas alternativas de redes sociais (como o Mastodon). Existem meios para mudar e oferecer alternativas digitais às tecnologias fornecidas por gigantes da tecnologia tendenciosos; agora é hora de aproveitá-los e incentivar projetos financiados pela Europa a agir e adotá-los. É urgente considerar as práticas digitais de forma mais consciente. As grandes tecnologicas não são apenas ameaçadoras, como tem sido desde o seu início, mas estão a fomentar, de forma concreta e descarada, sua visão de uma sociedade autoritária, desregulamentada e perigosa, tanto online quanto offline.
Ação coletiva, novas práticas inovadoras e uma posição firme são as únicas respostas que nós, atores culturais, podemos buscar e exigir das instituições europeias. Neste contexto, nós, atores, redes, projetos de cooperação e plataformas culturais europeias, pedimos às instituições europeias que considerem este importante momento como uma mudança e tomem as medidas necessárias para promover a independência digital no contexto cultural europeu. Não percamos esta oportunidade de romper com um espaço digital que não acolhe mais os valores de independência, pluralismo, diversidade e sustentabilidade.
Edição e adaptação de João Palmeiro com ECOCNews
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