A BirdLife International, cujo membro em Portugal é a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), publicou hoje a Lista Vermelha das Aves da Europa 2021. Segundo esta avaliação do risco de extinção, 1 em cada 5 espécies de ave no continente está ameaçada de extinção, com as ameaças a estenderem-se do mar aos campos agrícolas. No entanto, nem tudo está perdido: o estudo mostra também o impacto positivo dos trabalhos de conservação de espécies, com a recuperação do priolo (Pyrrhula murina) nos Açores entre os casos de sucesso.  

A Lista Vermelha avalia o risco de extinção de 544 espécies de ave em mais de 50 países e territórios da Europa, aplicando a nível regional os critérios e categorias da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), de “Pouco Preocupante” até “Extinta”. Para um quarto destas espécies, no entanto, não existe informação sobre as tendências populacionais, o que realça a importância de investir mais em censos e programas de monitorização que permitam perceber o estado das populações de aves.  

Os dados foram recolhidos por milhares de peritos e voluntários de toda a Europa. Esta é a quarta avaliação realizada pela BirdLife International, depois das edições de 1994, 2004 e 2015. É lançada na semana em que a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica discute um novo plano para combater a crise enfrentada pela vida selvagem do planeta.  

Dada a sua sensibilidade a alterações no seu ambiente, as aves são um indicador perfeito para perceber o estado do nosso planeta. Todas as formas de vida estão interligadas, portanto quando as aves estão ameaçadas, estamos todos em perigo.

Algumas das principais conclusões do estudo incluem:

  • 1 em cada 5 espécies de ave na Europa está ameaçada ou Quase Ameaçada de extinção
  • 1 em cada 3 espécies de ave na Europa sofreu um declínio nas últimas décadas
  • aves marinhas, aquáticas e de rapina são os grupos de aves mais ameaçados e em declínio mais acentuado na Europa
  • habitats marinhos, terrenos agrícolas, zonas húmidas e prados são os habitats com mais aves ameaçadas e/ou em declínio
  • a maioria das cotovias, escrevedeiras e picanços estão agora em declínio; outros grandes grupos taxonómicos em que se observaram declínios significativos são os patos e as aves limícolas
  • 71 espécies (13%) estão ameaçadas (Criticamente em Perigo, Em Perigo ou Vulneráveis) na Europa
  • Outras 35 espécies (6%) estão Quase Ameaçadas
  • 5 espécies continuam Regionalmente Extintas

As principais causas do declínio das populações de aves em habitats europeus incluem:

  • Mudanças em larga-escala no uso dos terrenos
    • O estatuto da narceja (Gallinago gallinago) passou de Pouco Preocupante a Vulnerável sobretudo devido à perda e degradação do habitat nas suas zonas de nidificação
  • Agricultura intensiva
    • O estatuto da rola-brava (Streptopelia turtur) continua a ser Vulnerável, com a agricultura intensiva a destruir os seus territórios de nidificação e pesticidas poderosos a causar uma redução significativa do alimento disponível
    • Espécies relativamente comuns estão agora mais ameaçadas devido à perda de habitat e à intensificação da agricultura, que levam à redução do alimento disponível (plantas nativas, sementes e insetos). É o caso do picanço-barreteiro (Lanius senator) e da perdiz (Alectoris rufa), que passaram de Pouco Preocupante para Quase Ameaçado, tal como a codorniz (Coturnix coturnix), cuja população europeia diminuiu pelo menos 25%, e do picanço-real (Lanius meridionalis), que entrou para a lista diretamente na categoria Vulnerável
  • Sobre-exploração dos recursos marinhos
    • O estatuto da gaivota-de-audouin (Larus audouinii) passou de Pouco Preocupante para Vulnerável subindo dois patamares na escala de ameaça), devido a um conjunto de fatores que inclui menor disponibilidade de alimento e a perturbação dos locais de nidificação. O papel de Portugal na conservação desta espécie será cada vez mais relevante, pois entre o aumento do número de gaivotas-de-audouin a nidificar em Portugal e a diminuição das populações em Espanha, o nosso país alberga uma percentagem cada vez da população nidificante desta espécie
    • A pardela-balear (Puffinus mauretanicus) continua a ser a ave marinha mais ameaçada da Europa, classificada como Criticamente Em Perigo, e quase toda a população europeia desta espécie passa pelas águas portuguesas, onde está ameaçada pela captura acidental nas pescas
    • O estatuto do calca-mar (Pelagodroma marina) mantém-se como Em Perigo, e a população europeia, que nidifica quase toda em Portugal, está em declínio, requerendo maior monitorização
  • Poluição de águas interiores
    • O estatuto do cagarraz (Podiceps nigricollis) passou de Pouco Preocupante para Vulnerável, muito provavelmente devido à poluição da água por atividades agrícolas e descargas urbanas
  • Práticas florestais insustentáveis e comuns
    • O estatuto do pica-pau-malhado (Dendrocopos major) está classificado como Pouco Preocupante, mas a sua população está em declínio sobretudo devido a práticas de gestão florestal insustentáveis
  • Desenvolvimento de infraestruturas
    • O estatuto da águia-imperial (Aquila adalberti) mantém-se Vulnerável, com a sua população a sofrer de elevada mortalidade por colidir com e ser eletrocutada em linhas e postes elétricos

Nalguns casos, o progresso registado nesta nova Lista Vermelha poderá rapidamente esvair-se num futuro próximo devido a decisões políticas. O milherango (Limosa limosa), vê o seu estatuto melhorar de Vulnerável para Quase Ameaçado, devido sobretudo à situação positiva na Islândia, que alberga quase metade da população europeia da espécie. No entanto, grande parte desses milherangos vem passar o inverno ao Estuário do Tejo, pelo que, se o proposto Aeroporto do Montijo for avante, poderá pôr em causa a recuperação da espécie.  

Embora as conclusões da nova Lista Vermelha da Europa sejam em geral preocupantes, também há boas notícias. Os dados mostram que intervenções como programas agro-ambientais bem delineados podem salvar espécies como o codornizão (Crex crex). A melhoria no estatuto de conservação do priolo (Pyrrhula murina), um caso de sucesso de conservação, mostra que abordagens direccionadas para a recuperação de espécies podem resultar.    

O priolo, ave que apenas existe num pequeno recanto da ilha de São Miguel, nos Açores, e que no início deste século era uma das aves mais ameaçadas da Europa, passou agora de Ameaçado a Vulnerável, graças a mais de 15 anos de trabalho da SPEA em conjunto com autoridades e populações locais e com o apoio de centenas de voluntários. Para além de continuar a zelar pelo priolo, a SPEA continua também a trabalhar nos Açores, na Madeira e em Portugal continental para proteger aves como a pardela-balear, a gaivota-de-audouin, a cagarra (Calonectris borealis), a águia-perdigueira (Aquila fasciata) e o britango (Neophron percnopterus), e a trabalhar com pescadores, agricultores, caçadores e decisores políticos para fomentar práticas e políticas verdadeiramente sustentáveis.  

Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA: 

“Esta Lista Vermelha mostra que é possível salvarmos as aves da Europa, mas que o tempo está a acabar. É urgente agir já, a nível nacional e europeu, implementando políticas agrícolas, de pescas e de gestão de território que salvaguardem os valores naturais antes que seja tarde demais.”  

Anna Staneva, Interim Head of Conservation, BirdLife Europe:

“As aves estão neste planeta há mais tempo do que nós, mas à velocidade a que os humanos estão a explorar e destruir, estamos a ver algumas espécies a caminhar rapidamente para a extinção. A Lista Vermelha é um recurso crucial para todos os que trabalham para travar as crises climática e da biodiversidade, porque onde as aves estão em perigo, a Natureza está em perigo.” 

Claire Rutherford, Species Conservation Officer, BirdLife Europe: 

“Uma mensagem desta Lista Vermelha é que podemos melhorar a situação das aves europeias. As populações de aves na Europa estão em queda sobretudo porque estão a perder os seus habitats, e há soluções para isso. O trabalho de restauro a longo-prazo, juntamente com a proteção dos poucos habitats naturais que restam na Europa, irá ajudar não só as aves mas também a humanidade a sobreviver.”  

Martin Harper, Regional Director, BirdLife Europe: 

“Os resultados mostram que não estamos a gerir a nossa terra, água doce e mares de forma sustentável. Queremos e precisamos que a Europa seja líder mundial no restauro da Natureza, mas para isso acontecer será preciso nada menos que uma transformação das nossas economias. Esta transformação tem de começar agora, nesta década a que a ONU chamou Década do Restauro Ecológico.” 

Fonte: Nota de Imprensa / Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)

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