Rompem agora a terra: redondinhas, aveludadas e de branco pérola ‘vestidas’
É chegada a época e a hora de recolher (até lá para início de Abril), o tesouro escondido que brota do chão na região alentejana; este ano com especial abundância, também ali pelos concelhos de Reguengos de Monsaraz.
As águas do fim do inverno e a humidade atmosférica que prevaleceu nesta estação, amoleceram o solo com maior ou menor teor de barro e, que por estes dias, assim que surgem os primeiros raios de sol quente, fazem com que a superfície da crosta da terra estale e, mal haja levantamento e gretamento do mesmo, das profundezas assomam-se com o devido tempo passado, em simbiose com qualquer azinheira ou sobreiro, os primeiros exemplares de uma espécie de cogumelo bravo – a silarca.
Silarcas de março – uma história antiga
Geralmente apelidado de silarca ou tortulho, pelos alentejanos a (Amanita Ponderosa nome científico dado a esta espécie de cogumelo, da família dos fungos (Amanitaceae) proveniente do Latim “ponderosus“, este que traduzido à letra significa “que tem muito peso”, conquista preferências nesta zona do país, sendo também muito requeridas na Extremadura espanhola e Andaluzia.
Quanto eclodem (entre janeiro e março) têm a forma de uma batata, mas após rasgar a vulva surgem com o seu característico chapéu de tons branco pérola, no topo de um pé robusto e branco.
Procurada pelas gentes da região, que aprenderam a observar a terra, nestes campos, antes do início da Primavera, a silarca (ou cilarca, ou tortulho) silvestre e comestível, tornou-se a iguaria apreciada nesta época do ano, desde os tempos dos seus antepassados. Não há antiga taberna ou café destes lugares do Alentejo interior, que não as exiba em pires/prato, com simples pedras de sal grosso, após pequena passagem pelo calor – “é a morte da silarca – comenta-se em segredo entre os degustantes“, dizer que galgou de boca em boca, até aos dias de hoje.
A silarca tem direito a festa em sua honra, pela Beira Baixa e, até são organizados passeios micológicos, que muito ajudam para se adquirir traquejo na arte de retirar este ‘bravo’ cogumelo do chão, embora nesta zona do País lhe seja atribuída outra(s) nomenclatura(s) . Mas, aqui para os lados de Portel, são a figura central de uma rotunda; faladas que são de sobeja nos seus Congressos das Açordas, todos os anos neste início do mês de Abril; já agora, também fará falta mencionar o afamado festival organizado em seu tributo, na aldeia de Cabeça Gorda, (geograficamente mais abaixo) no distrito de Beja, que chama presentes e ausentes de longe, só para se ‘trincar‘ este fungo.
A apanha requer saber
De sabor e aroma altamente terroso, o segredo da boa silarca está em primeiro lugar na sua recolha, que requer muita experiência, pois esta sua identificação tem de ser executada de forma correta, para não se correr riscos e colher outras espécies de cogumelos, nocivas para a saúde, que surgem pelas mesmas condições nos campos do Alentejo.
“Há quem lá vá pelo cheiro e, pela textura e cor” e, até há quem faça o teste com um dente de alho por próximo – “se o cogumelo enegrecer, não presta!“, avançam os mais experientes.
Mas a silarca (Amanita Pondeosa), tem parentes más na família; são de seu nome, a Amanita Phalloides e a Amanita Verna, muito semelhantes entre elas e altamente tóxicas e mortais quando ingeridas; “estas últimas, ninguém as quer ver pela frente, o que quanto à semelhança e sabor se confundem com a primeira, que é um verdadeiro pitéu dos apreciadores”, confessa Joaquim Carnaças, habitante da aldeia do Outeiro, concelho de Reguengos de Monsaraz, para quem “uma horita a vaguear no montado, chega para as acomodar na barriga – à farta!”.
“Onde o sol mais abrasa é onde há o cogumelo“, afiança Joaquim, para quem “não há horas certas quando se sai para o campo para acarretar este material – elas esperam sempre por quem as levanta!“
Dita o saber e às vezes a sorte, de quem caminha pelos montados, observando por horas que correm o chão que se calca, pensando sempre que não parece existir nada por ali, que afinal não é bem assim: “passas uma vez por lá o olhar e não te apercebes; desvias a vista e quando tornas a varrer o mesmo local – lá está ela, a espreitar, por entre a fenda”, adianta o experimentado Joaquim.
Mas parece que há mais traquejo a saber, ensina-nos o Carnaças, quanto à recolha desta espécie silvestre comestível:
“Não convêm depositar as silarcas em saco plástico”, condição imprescindível para que estas após recolhidas não percam qualidades, em termos de textura. E, também “não são amigas de ficarem muitos dias por casa em frigorífico, depois de retiradas do solo. Para as fazer aturar é melhor guarda-las, com terra (sem as lavar), numa embalagem plastificada com interior aluminado; também só assim podem ser armazenadas em congelação, para posterior uso”, adianta.
“Na altura de as preparar para cozinhar, não se retira a terra com água corrente; primeiro chegasse-lhe a navalha bem afiada e tira-se-lhe a pele exterior, à qual a terra aderiu em força, só depois é que podem ver salpico de água, para tirar o que resta”, explica ainda este entendido.
Quase chegadas ao lume, aqui já as silarcas limpas apresentam um aspecto rosado normal, característica das próprias e da sua qualidade e, que em nada influencia no sabor.
Do campo para o prato
E, quanto à confecção deste verdadeiro acepipe: afinal como se pode apresentar as silarcas à mesa?
O modo mais usual de as ver no prato é condimentadas, apenas com uma pitada de sal, na sua forma original de cogumelo, mas também existem outras confecções mais rebuscadas, quer seja como acompanhamento ou em modo refeição completa, que é o caso dos vários calduchos onde se usam.
“Dá para ir com tudo: ovos mexidos; com sopas de pão e feijão; com carnes de caça e, mesmo com peixe do rio e as suas ovas”, avança J. Carnacas, conhecedor destes segredos alentejanos do bem degustar à mesa, o que a natureza traz ciclicamente.
“É de se comer e chorar por mais” — diz-se por aí; quando agrada.
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