O Festival Imaterial estreia-se esta sexta-feira às 21h30 no Teatro Garcia de Resende com uma das grandes estrelas do Mali: Ballaké Sissoko e vai trazer a Évora algumas das propostas mais estimulantes de vários pontos do mundo!
O festival estende-se até dia 26 de junho (programa completo em festivalimaterial.pt) e o fim de semana de arranque conta com várias propostas imperdíveis.
Sexta-feira, 18 jun / 21:30 – Teatro Garcia de Resende
Ballaké Sissoko, Mali
Sissoko, Ballaké herdou do pai a mestria da kora (a chamada “harpa africana”) e forjou o seu característico lirismo delicado através de muitas horas dedicadas a escutar os mais velhos, apreendendo o conselho de que antes de falar é preciso saber ouvir. Só depois se emancipou e iniciou um caminho de permanente descoberta que o levaria à gravação com Toumani Diabaté de New Ancient Strings (1999), um dos discos mais notáveis alguma vez dedicados ao instrumento, ou ao sublime duo que partilha com o violoncelista Vincent Ségal. Djourou tem tudo isso lá dentro: a tradição soprada de pai para a filho e a revelação dos novos encontros.
Sábado, 19 jun / 21:00 – Jardim Público de Évora
Aynur, Turquia, Curdistão
Tal como acontece com muitos dos artistas presentes no Imaterial, a música de Aynur surge enquanto lugar de confluência entre uma música tradicional centenária e uma pulsão contemporânea. Essa combinação, no caso, faz de Aynur a mais popular cantora curda dos nossos tempos, hábil a derramar uma voz que estende melodias esvoaçantes por cima de instrumentos plenos de vida, e com uma densidade emocional que mereceu do violoncelista Yo-Yo Ma a descrição de que no seu canto “escutamos a transformação de todas as camadas da alegria e do sofrimento humanos num único som”. Hedûr, o seu último álbum, aproxima a música curda do jazz e reflecte com uma beleza tão deslumbrante quanto comovente as provações e injustiças de que os curdos têm sido alvo na Turquia, país onde Aynur nasceu. Um exemplo admirável de música que carrega consigo toda a complexidade identitária e sofrida de um povo.
Sábado, 19 jun / 22:15 – Jardim Público de Évora
Cuncordu & Tenore Orosei + Grupo de Cantares de Évora + Ernst Reijseger
Quem em abre a porta para receber alguém em sua casa, fá-lo por estar disponível para o diálogo. Assim acontecerá com o Grupo Cantares de Évora, um coral misto fundado em 1979, quando receber na sua cidade os sardos Cuncordu e Tenore Orosei. Sob a direcção do violoncelista Ernst Reijseger (músico com um amplo léxico musical, navegando com igual familiaridade pelo reportório clássico, pelo jazz e pelas músicas tradicionais), juntos criarão um concerto revelador das afinidades e cumplicidades desenvolvidas durante alguns dias de residência artística. Ao cante alentejano juntar-se-ão estas duas tradições vocais da Sardenha – o canto “a tenore” e o canto “a cuncordu” –, unidos por temáticas do trabalho, da relação com a natureza e da ligação suprema à terra. Mesmo que em idiomas distintos, as vozes de uns chamarão as vozes dos outros, num simbólico momento das conversas musicais que o Imaterial se propõe estimular.
Domingo 20 jun / 21:00 – Jardim Público de Évora
Mónika Lakatos, Hungria
Em 2020, a WOMEX entregou a Mónika Lakatos o seu Artist Award, consagrando a cantora cigana com um dos mais prestigiados prémios entregues no universo das músicas do mundo. O reconhecimento destaca o percurso desenhado pela cantora, enquanto membro do grupo Romengo e a solo, dando nova vida ao património musical da pequena comunidade cigana olah, mas distingue também uma cultura tantas vezes colocada nas margens e ignorada. Tendo actuado por todo o mundo e pisado os palcos dos grandes festivais mas também da Filarmónica de Berlim ou da Ópera de Frankfurt, Mónica Lakatos eleva uma música de expressão simples a uma prodigiosa celebração da vida. O seu empenho contínuo em dar a conhecer a cultura olah baseia-se não apenas no puro prazer de partilhar as suas origens, mas igualmente na firme crença de que só o desconhecimento de outras culturas pode justificar o medo e a desconfiança
Domingo, 20 jun / 22:15 – Jardim Público de Évora
Aldina Duarte, Portugal
“Diz quem já me ouviu cantar / Que quando soa o meu canto / A terra inteira estremece”. Nos versos iniciais de “Fado com Dono”, escritos por Maria do Rosário Pedreira para Aldina Duarte, está resumida boa parte do arrebatamento experimentado por quem escuta a fadista. Tendo escolhido entregar-se ao fado tradicional, Aldina Duarte tem construído, disco a disco, uma obra ímpar, sem floreados, ligada à mais vital e crua expressão do género. Depois de se afirmar através de um imaculado reportório escrito para a sua voz, e cantado sobre tradicionais, Aldina quis celebrar 25 anos de fado, em 2019, homenageando os seus heróis (Tony de Matos, Beatriz da Conceição, Lucília do Carmo, Maria da Fé ou Carlos do Carmo). É esse disco, a par de alguns dos temas fundamentais no seu percurso, que Aldina partilhará connosco – fazendo-nos, seguramente, estremecer.
Programa completo e informações complementares disponíveis no site: festivalimaterial.pt
Sobre o Festival Imaterial:
Trata-se de um novo festival em que a música assume um papel central, catalisador, mas cuja estrutura, dinâmica e linguagem coloca sob os holofotes o património imaterial nas suas diferentes manifestações. Um festival que celebra e pensa a música como expressão popular identitária de povos de todo o mundo e a coloca em diálogo com o património edificado do Alentejo Central.
A edição especial de estreia do Imaterial acontece já este ano, de 18 a 26 de Junho, com centro nevrálgico em Évora (cujo centro histórico integra a lista de Património da Humanidade desde 1986). Mas nas futuras edições estende-se por uma série de outros concelhos do coração alentejano, com os quais as negociações já estão em curso. A par do envolvimento destes municípios alentejanos, o Imaterial conta ainda com a parceria da Fundação INATEL e, no seu horizonte a longo prazo, integra-se no desenho da candidatura de Évora 2027 – Capital Europeia da Cultura.
Ao longo de nove dias, na presença de músicos, especialistas, estudiosos, entusiastas, jornalistas e programadores, o Imaterial é o lugar privilegiado para as trocas entre diferentes culturas, entre passado e presente, entre património edificado e património que só existe nos saberes acumulados dos seus intérpretes, num apelo a que nos pensemos como povos irmãos, como coabitantes de um mesmo mundo vivo e em transformação. Em que as tradições nos ajudam a perceber quem somos, mas também quem poderíamos ter sido se tivéssemos nascido numa outra condição.
Como se lê num dos textos de apresentação, “o Imaterial parte da união entre o património tangível e o intangível para povoar a paisagem com encontros culturais que nos reconduzirão ao desígnio fundamental de escutarmos o outro e valorizarmos as diferenças enquanto motivo de fascínio e aproximação – nunca de afastamento. Na terra de uma expressão musical e social tão enraizada quanto o cante alentejano, o encontro com o fado e com outros géneros musicais de outras partes do mundo que sejam objecto de preservação e de valorização pela sua História, ocupará os diferentes palcos do Imaterial. Um pouco por toda a programação, dos concertos e da realização de uma conferência internacional às residências artísticas e ao estabelecimento de uma plataforma ibérica para contactos profissionais, a celebração dos costumes locais far-se-á sempre com esta convicção de que a música faz parte da paisagem, alimenta-se dela e devolve-lhe uma beleza inigualável.”
Os grandes impulsionadores do Imaterial – que assumem também a sua direção e a curadoria de algumas das iniciativas – são dois dos principais rostos da dinâmica cultural do país: Carlos Seixas (diretor artístico do Festival Músicas do Mundo, de Sines) e Luís Garcia (programador do Município de Évora, ligado a festivais como o ViváRua e o Artes à Rua).
Carlos Seixas destaca “um programa que mostra a diversidade criativa dos povos, as influências mútuas originadas pelo caudal secular das migrações, os artistas do presente que enriquecem e reinventam as memórias do passado. Uma oportunidade e um privilégio para mais um encontro profissional, com produção de conhecimento, troca de experiências e agendamento de futuras colaborações. Um festival que apresenta um cartaz paritário, colocando-se assim na frente de combate à desigualdade de género. Um espaço intercultural favorável a uma melhor compreensão das tradições e uma aproximação ao que será o verdadeiro som do mundo.”
Para Luís Garcia, “deste cais Imaterial de chegada e de partida, lugar de confluência dialógica entre arte, tradição, património e pensamento crítico, avistaremos a “Cidade Sem muros nem ameias (…) Cidade do homem Não do lobo, mas irmão Capital da alegria. Imaterial: sucessão de episódios, de encontros, que envolvem criação artística, músicas dos povos do mundo, diálogos interculturais e fruição do património, numa espécie de centrifugadora de emoções, sentires individuais e coletivos, tensão entre saberes transmitidos, memórias sedimentadas num passado cristalizado, e criação artística contemporânea, reescrevendo novas narrativas identitárias, despertando novas inquietações.”
Fonte / Foto: Festival Imaterial – Nota de imprensa