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Não é surpresa que se faça confusão entre o pintor Manoel Bandeira (1900—1964) e o poeta, seu famoso homónimo. Natural de Escada, na Mata Sul de Pernambuco, o artista visual teve seu talento reconhecido por nomes como Gilberto Freyre e foi um dos pioneiros no designer de moda no Estado, dando forma e tom a peças com o apoio da indústria têxtil da Era do Caroá. Em mostra da Fundaj – Fundação Joaquim Nabuco, Manoel com “o” volta aos holofotes e será exibido para as novas gerações de consumidores no Piso 1 do Shopping Center Recife. A exposição ‘Carnaval: Nassau, frevo, cana e caju’ foi lançada esta segunda-feira (dia 8) e poderá ser visitada até ao dia 17.

Com curadoria de Rita de Cássia e Rodrigo Cantarelli, a montagem exibe desenhos de fantasias de Carnaval produzidas pelo artista, em 1938, para o Anuário do Carnaval Pernambucano. A exposição integra a programação do Carnaval de Todos os Tons, evento multiplataforma da instituição, enquanto as peças pertencem ao acervo do Centro de Estudo da História Brasileira (Cehibra). Nos croquis, aparecem personagens históricos, como o invasor holandês Maurício de Nassau, mas, também, elementos da fauna e flora pernambucana e associações à indústria e à agroindústria locais. Obras que dizem sobre o vestuário e discussões da época.

Para o curador e pesquisador da Fundaj, Rodrigo Cantarelli, o “esquecimento” de Manoel pela crítica especializada reflete aspectos de territorialidade. “Esse pouco reconhecimento, talvez, se dê muito em função de um mal que acomete muitos artistas que não se transferiram para o eixo Rio-São Paulo e fizeram carreira em outras capitais do País. Ele também foi um grande seguidor das ideias regionalistas defendidas por Freyre, por isso registrou manifestações da chamada cultura popular, num momento de valorização desses elementos”, aponta Cantarelli, que explica que a marca não era bem vista pela crítica de arte.

O ingresso nos estudos aprofundados de Manoel se deu em 1912, na passagem pelo antigo Liceu de Artes e Ofícios, no bairro de Santo Antônio, no Recife. Depois ganhou destaque como desenhista na indústria gráfica. Em 1925, recebeu de Gilberto Freyre o convite para ilustrar o Livro do Nordeste, do sociólogo. Convite que se repetiria, em 1936, para a primeira edição do clássico Sobrados e Mocambos. Em 1957, ilustraria para o folclorista Jayme Griz o título Lobisomem da Porteira Velha.

Nos trabalhos em exposição, apresentam-se a geometrização das formas a partir de combinação retas e curvas, linhas e preenchimentos. Para o curador, há ares de xilogravura, mas também de Art Déco e outras vertentes modernas. “Bandeira assumiu uma característica inédita no seu trabalho, a partir de volumes de pintura mais chapados, onde podemos perceber linhas mais retas compondo com planos coloridos, livres dos grandes detalhamentos dos seus desenhos a bico de pena, traduzindo elementos ligados a uma identidade pernambucana em sínteses gráficas que nos remetem a uma linguagem ainda mais moderna.”

Amante da sua terra, o artista se destacou na documentação de edificações históricas e inúmeros municípios pernambucanos. Outro trabalho que merece menção é a série de personalidades, na qual desenhou Joaquim Nabuco, Frei Caneca, Henrique Dias, dentre tantos outros. Segundo artigo publicado pela servidora Semira Adler Vainsencher, no site Pesquisa Escolar, da Fundaj, certa vez perguntaram a Manoel Bandeira o porquê de não mudar para o Sudeste do País, a fim de “triunfar na arte e ter uma vida melhor”, ele teria respondido: “porque não posso levar meu Recife e sem ele não posso viver”.

Outros carnavais

No entanto, a memória do artista não é a única coisa que compõe a exposição. Afinal, o público que visitar a montagem poderá compreender aspectos sociais da primeira metade do século 20, sobretudo após a publicação do Manifesto Regionalista. Em um ano histórico, desenhos de Manoel Bandeira marcaram o Carnaval de 1937. Clubes, troças e blocos se fantasiaram de vultos da história pernambucana, como Nassau, Dias, Felipe Camarão e tantos outros. No ano seguinte, o tema passearia pela produção agrícola. O que levou às ruas a cana-de-açúcar, a banana, a jaca, o caju, o tomate, o algodão, o caroá, a mamona e pescados, como peixes, siris e lagostas.

“Os desenhos de Manoel foram confeccionados sob encomenda de malharias e fábricas da indústria têxtil. As senhoras da elite iam até essas lojas e escolhiam a fantasia a ser confeccionada. Com estas roupas, fizeram parte até dos concursos de fantasias”, contextualiza a coordenadora do Cehibra, Betty Lacerda. De acordo com levantamento da pesquisadora Rita de Cássia, o Anuário do Carnaval Pernambucano registra a inserção das elites no festejo. À época, a tese regionalista ganhava força e a Federação Carnavalesca Pernambucana — recém criada em 1930 — buscava instruir, disciplinar e “despertar na massa pobre um culto às coisas da terra”.

Ainda de acordo com a pesquisadora Rita de Cássia, a intenção de reestruturação não era exclusivamente regionalista. A verdade é que há muito o Carnaval preocupava às elites e aos governantes. “Normas, regulamentos e repressão policial pareciam não mais bastar para controlar a multidão que se esbaldavam no frevo”, comenta. Assim, mudaram a abordagem. Aproximar-se das massas e penetrar no mundo dos que faziam os brinquedos de rua foi a estratégia adotada. Não demorou para que surgissem críticas ao Carnaval “dirigido” pela Federação. Gilberto Freyre foi um dos que condenaram a intenção, em defesa da espontaneidade do espírito popular.

Fonte: Fundaj / Nota de imprensa

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